Ou pelo menos, não para todo mundo.
A história contada é de que o home office melhora e muito a produtividade. A realidade não é tão feliz assim. Poder ficar em casa trabalhando de pijama pode ser um grande atrativo e realmente o conforto ajuda em algumas situações, mas a distância atrapalha nas áreas mais criticas.
Não acredito que o home office seja a resposta para os problemas atuais e nem que trabalhar no o tempo todo no escritório seja mil maravilhas. É preciso encontrar o equilíbrio e utilizar a forças de cada um, evitando ao máximo as fraquezas.
Vou discutir o home office a partir de alguns pontos de vista diferentes.
Tempo
O home office costuma liberar mais tempo para o profissional, e isso acontece, geralmente, pelo tempo que cada um demora para se “preparar” e se deslocar até o escritório. Não acho que o problema seja realmente trabalhar no escritório, mas ir até lá. E resolver isso é algo que não posso discutir, já que não é meu caso nem minha especialidade.
Um segundo ponto é que quando não é necessário ir até o escritório, as pessoas pulam o momento de “se preparar”. Muita gente (como eu fiz diversas vezes), quando está em home office, acorda 2 minutos antes de começar a trabalhar, se levanta, vai ao banheiro e já se acomoda na frente do computador. Com isso, perdemos todo o ritual matinal que nos ajuda a despertar e nos coloca em um estado melhor para começar a trabalhar e realmente produzir.
Produtividade
São menos distrações e o conforto me faz produzir mais. Grande parte dos escritórios tem um ambiente voltado ao trabalho, o que não é o caso da nossa casa. E por mais distrações que existam, a maioria é fácil de remediar e nos acostumamos. Não é o caso da nossa casa. No escritório eu nunca tive um cachorro latindo ou o vizinho cortando a grama. Ninguém tocava a campainha ou alguém querendo conversar comigo como se eu estivesse de férias.
A parte do conforto é um pouco mais complicada mas ao mesmo tempo tem impacto bastante limitado. O conforto realmente melhora a produtividade de algumas pessoas. Mas isso acontece em apenas poucos tipos de trabalho (normalmente nos trabalhos criativos), onde o conforto realmente importa, já que são atividades de longa duração e de preferência sem interrupção. Qual a proporção de trabalho realmente criativo no seu dia ou no total do seu trabalho?
Muita gente está sentindo um grande ganho em produtividade e isso é real. Mas é preciso reflexão. Será que realmente é o home office que está trazendo o ganho? Pode ser só o fato de mudar de ambiente? Pode ser que o home office está resolvendo uma questão, que pode ser resolvida de outra forma, e é essa questão que atrapalhava a produtividade?
Social
O trabalho nos expõe a um maior número de pessoas, e com isso somos capazes de conhecer pessoas diferentes. O efeito disso é tão positivo quanto negativo. Conhecer gente nova nos ajuda a nos conectar melhor com pessoas, discutir e ter novas ideias e nos faz sentir menos sozinho. Porém, nem todo mundo gosta disso ou das pessoas que os cercam, e essa é a parte negativa. Ter de socializar pode ser um fardo para essas pessoas.
É claro que tudo isso é possível mesmo no home office. É fácil entrar numa call e conversar. A questão é que, isso depende de disponibilidade e vontade. No home office, cada um está num ritmo diferente, no escritório todo mundo espera que alguém possa vir falar com eles a qualquer momento e a interrupção é “normal”. Fazer essas “calls” tira também a casualidade dessas interações e por isso, acabamos fazendo isso muito menos, apenas sobre assuntos que julgamos realmente importantes.
Muitas empresas hoje usam as calls como forma de socializar. O que eu não acredito que tenha grande efeito. A socialização depende, principalmente, da espontaneidade, o que acontece muito pouco quando falamos de comunicação remota. Para o bem ou para o mal, a proximidade física facilita e aumenta a possibilidade de um contato mais pessoal e espontâneo. Mesmo que sejam simples comentários ou interações.
Lembrando que, se dependemos de reuniões virtuais, tem também um certo “atrito” em ter que fazer essas reuniões remotas. “Vou procurar meu fone, 1min.”. “Não estou te ouvindo.”. “Espera ai, tem alguém tocando a campainha.”. No escritório seria só levantar, ir a mesa do outro (ou só chamar, da sua cadeira mesmo, quando o escritório é pequeno), e fazer a pergunta. É uma interação de 30 segundos vs um esforço de 10 minutos para o mesmo resultado.
Comunicação
No dia-a-dia, quando perguntamos para alguém perto de nós alguma coisa, esperamos a resposta na hora. Esse imediatismo é carregado para o trabalho remoto, mesmo que isso não seja sempre possível de acontecer. Algumas pessoas deixam para perguntar algo só quando realmente precisam da resposta e se a outra pessoa não responder na hora, atrasa tudo.
A comunicação se torna mais difícil no trabalho remoto. Mas não é por falta de ferramenta e sim por falta de costume. É preciso aprender a se comunicar de maneira totalmente diferente do que estamos acostumados. A comunicação remota depende de mais organização, e principalmente da capacidade de escrever melhor (o que, sinceramente, é um ótimo benefício. Muita gente precisa desenvolver e melhorar essa habilidade).
Sincronizar trabalho e reportar progresso também passa a ser mais difícil e complicado. Hoje já temos muitas ferramentas para isso, como Jira e Notion, que facilitam em muito, mas como todo software, o problema é a adoção. Se as pessoas não usam, a ferramenta não faz milagre.
Algo a ser lembrado é que grande parte da comunicação remota é verbal. Nossa comunicação verbal é apenas uma pequena parcela da comunicação total (menos de 10%). Uma mensagem no WhatsApp costuma deixar faltar muito contexto. Muita coisa pode passar desapercebida até virar uma grande bola de neve.
Aprendizado
Poucas empresas são formadas só de seniores. E mesmo nas que são, o aprendizado coletivo é sempre importante. É muito mais fácil ensinar e ajudar as pessoas presencialmente. Em TI, temos o conceito de “pair-programming” que é basicamente trabalhar em par, permitindo compartilhar conhecimento e ajudando no desenvolvimento de ambos os profissionais. Fazer pair remotamente é muito mais difícil e custoso, diminuindo a eficiência e até a vontade dos envolvidos em participar.
Quão comum é você comentar com quem está do seu lado sobre algo que aprendeu, leu ou viu? E quantas vezes você fazer isso quando não está no escritório? Esse compartilhamento costuma ser mais comum com quem está perto ou menos ao redor da máquina de café.
A integração também é um grande problema. Vemos os posts no LinkedIn daquela mochila maravilhosa, cheia de gadgets e presentes. Mas a integração é muito mais do que isso. Trabalhar em equipe não é só somar trabalho. Um mais um deve ser três. E trabalhar em equipe é aprender a trabalhar com o outro. Como consequência dos outros pontos já discutidos (socialização, comunicação, etc.), aprender a trabalhar com o outro é muito mais difícil remotamente.
Conclusão
Depois de defender tanto o trabalho in loco, você deve achar que eu sou totalmente contra home office, certo? Errado!
Home office é uma ferramenta, e como todas as outras, deve ser usado no lugar certo, na hora certa, pela pessoa certa.
Trabalhar remoto depende muito de organização pessoal e da equipe. Pode trazer resultados muito bons para determinados tipos de trabalho e em fases específicas. Acredito que o equilíbrio e a moderação são os pontos chave para conseguir colher o melhor dos dois mundos.
Home office não é para todo mundo, não é para sempre e não é a solução. Não existe bala de prata. É importante que todos estejam de acordo com a dinâmica e que tenha regras e parâmetros a serem seguidos, impedindo que a solução não vire problema.
Vá ao escritório para fazer atividades mais corriqueiras, reuniões e especialmente tomadas de decisão. Fique em casa para fazer trabalhos criativos e específicos. Encontre o seu ponto ótimo e siga em frente. A resposta vai ser diferente para cada um.